segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A TATUAGEM E A SEMIÓTICA DA CULTURA




"Não sai nunca mais / Faz parte da sua vida / É seu modo de ser / Seu jeito de pensar / Sua família toda reunida reclama da sua aparência / E com quê os vizinhos vão pensar / Nego tatuado que nem gado / Marginal você não presta / Sua família tem vergonha de você. " Tatto Maniac - Ratos de Porão


Desde o nascimento o homem promove alterações em seu corpo através da manipulação da nudez integral. Pesquisas antropológicas e indicadores semióticos atestam que o corpo natural é malquisto em todas as culturas. A história do corpo segue o caminho da cultura: nós imprimimos no corpo as leis, convenções e fetiches do nosso tempo.

Os exemplos são incontáveis: as mulheres-girafa da Birmânia, os pés pequeninos das chinesas, as escarificações em povos africanos. Todavia, essas transformações de imagem não são exclusividade dos povos dito primitivos. Hoje, tanto quanto ontem, o culto ao corpo tem grande relevância como expressão cultural. Reconstrói-se o corpo através de musculação, jogging, dança, regimes e até cirurgia plástica.

Não contentes com toda a tecnologia de alteração disponível, resgatamos de culturas exóticas, que antes considerávamos ´primitivas, a beleza do mito tatuado no corpo.

Breve histórico da tatuagem

O primeiro homem tatuado de que se tem notícia foi encontrado congelado nos alpes, entre a Itália e a Áustria, em 1991. Esse homem viveu há cerca de 5.300 anos e tinha 57 tatuagens. A primeira mulher tatuada conhecida foi a princesa Amunet, encontrada em Tebas, no Egito, e que viveu há 4.000 anos.

A tatuagem é uma prática antiga, sem uma origem histórica e cultural precisa, de presença verificável entre vários povos de todos os continentes e utilizada para os mais diversos fins. É conhecido o seu uso ligado a práticas religiosas tanto entre europeus, quanto asiáticos, assim como entre ameríndios que tatuavam imagens que representavam signos de filiação a totens e clãs. Mas, desde épocas remotas também era utilizada como adorno.

O início do processo de difusão da tatuagem na sociedade ocidental tem como marco a chegada da tripulação da embarcação do capitão Cook ao Taití em 1769. Os marinheiros aprenderam com os nativos a prática de cobrir o corpo com imagens e, posteriormente, a disseminaram junto a representantes de grupos socialmente marginalizados: marujos, bandidos e prostitutas. Ladrões presos levaram a pratica ao contexto carcerário, enquanto prostitutas a utilizavam como fetiche. Estes usos são as raízes do estigma que a prática apresenta até hoje.

Por volta da década de 60, com o advento da contracultura, houve a dissociação entre tatuagem e exotismo, com jovens se tatuando como forma de oposição ao stablishment. Todavia a prática passou a ser estigmatizada sob novo contexto, como uma manifestação associada à vadiagem. Esse estigma caiu por terra em meados de 80, quando passou a ser reconhecida como adorno corporal.

A tatuagem hoje

Atualmente a tatuagem foi incorporada ao cenário urbano, sendo utilizada por pessoas pertencentes a diversos contextos culturais, que a utilizam por diferentes motivos, embora os mais comuns dentre eles seja seu uso para afirmação de uma identidade cultural e pertencimento a um grupo.

Existe uma relação direta entre mídia e sociedade, uma exercendo influência sobre a outra, e a formação de uma identidade cultural no cenário urbano.

A mídia exerceu grande influência na mudança da relação entre sociedade e tatuagem. Desde a presença no corpo de bandidos em filmes policiais, re vistas especializadas, no corpo de músicos nos clipes da MTV e até em reality shows como Miami Ink. A presença da tatoo na mídia é maciça.

Tatuagem e semiótica da cultura

À luz da semiótica da cultura a tatuagem pode ter diversas leituras.

Como material semiótico teríamos a pintura sob a pele como um signo, portanto signo ideológico. Para Bakhtin, a noção de signo está intrinsicamente ligada ao ideológico. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos: tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.

Bakhtin explica ainda que um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social), como todo corpo físico, instrumento de produção ou consumo, mas, ao contrário destes, os signos ideológicos também refletem e refratam uma realidade que lhe é exterior.

Além dessa representação/manifestação ideológica de forma genérica, a tatuagem pode ainda adquirir particularidades de significação em cada corpo ou até mesmo nos diferentes lugares de circulação de um mesmo corpo. A mesma imagem adquirirá significação diferente ao ser tatuada em diferentes corpos (masculino, feminino, alto, baixo, gordo, magro, atlético, adolescente, etc.) e ainda em lugares diferentes do corpo. Diferentes superfícies constituem diferentes materialidades, diferentes modos de enunciação, que indicam novas formulações e circulação de sentidos, diferentes formas de textualidade.

No caso da tatuagem temos o corpo não apenas como suporte textual, mas sobretudo como mídia constitutiva do enunciado, determinando sua produção e circulação, propiciando a formação de novos enunciados dentro do mesmo gênero.

Outra questão pertinente diz respeito à autoria na tatuagem. Quem, é o autor do que? O tatuador ou o tatuado? Não podemos atribuir a posição de autor ao tatuador por que ele não participa do enunciado num todo, ou seja, não possui relação com o signo ideológico e com a significação eminente deste signo: seria como atribuir autoria ao escriba. Assim, cabe a posição de autoria ao sujeito que é tatuado, ao corpo que se torna superfície midiática e materialidade semiótica.

Mas o que leva uma pessoa a se tatuar? Podem-se considerar diferentes respostas, mas a dor é, com certeza, uma das principais. À luz da psicanálise a dor é necessária para se chegar ao prazer. No caso o prazer de ter conseguido suportar a dor ao ser tatuado.

No entanto, receptor e emissor tem diferentes visões acerca da dor. O receptor apenas a imagina, a vê como uma representação. Tem apenas uma idéia dela e constrói um "valor" para ela. Portanto, é natural que o receptor a considere algo fora do normal, destinando a loucos e masoquistas. Já os emissores sabem de antemão que ela é suportável pelo contato com outros tatuados, e a percebem como vontade.

Outra diferença é que o receptor projeta a dor, mas não a sente. Tem apenas aflição e medo. O emissor sente a dor, na realidade goza do prazer de ter passado por ela.

Conclusão

O corpo é uma mídia. Uma mídia primária como afirmou Harry Pross. E a escrita representa aquilo com o qual o homem sempre sonhou: sagrar-se vencedor perante a morte. E aquilo que na natureza não é possível, é passível de criação artificial pelo mecanismo semiótico da cultura. A tatuagem é escrita no corpo, um símbolo de perenidade.

Há, ainda, a apropriação do discurso midiático a partir da experiência estética do receptor em relação aos produtos da mídia ligados ao entretenimento. A incorporação dos símbolos divulgados pela mídia de massa por meio da prática da tatuagem reorganiza os vínculos entre as paisagens culturais da sociedade e os sistemas simbólicos.

Bibliografia

BAKHTIN, M.M. Estética da criação vergal

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Tradução de Décio Pignatari. São Paulo. Editora Cultrix. 2002

ORLANDI, E.P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas. Pontes. 2001

PIRES, Beatriz Ferreira. O corpo como suporte da arte: piercing, implante, escarificação e tatuagem. São Paulo. Editora Senac. 2005

Webgrafia

www.vagalume.com.br/ratos-de-porao/tatoo-maniac.html


Este trabalho foi apresentado como conclusão de semestre da cadeira de Teoria de Comunicação do curso de jornalismo em novembro de 2011.


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