sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A MINA

















NININHA

Filha do homem mais poderoso de Poço Seco, moça prendada e estudada, não era bonita, mas também não era feia, mesmo assim já estava com 31 anos e continuava solteira. Verdade que já tivera alguns pretendentes mas, por obra do acaso ou da maledicência alheia, tudo sempre acabava. E olha que ela nem era tão exigente assim.
Já estava conformada em ficar para titia, embora fosse filha única, quando Arnaldo apareceu na cidade,
O moço chegou junto com uma turma da capital para estudar as terras junto ao Boqueirão das Onças. Por que não se tinha ideia. Só se sabia que vieram recomendado por figurões da política estadual e foram recebidos de braços abertos pelo prefeito, que fez o impossível para instalá-los da melhor maneira possível.
Como a cidade não tinha hotel, o prefeito Tonico Borges pediu às famílias mais remediadas que recebessem os hóspedes ilustres. E calhou que Arnaldo e mais dois colegas ficaram na casa de Nininha. Trouxeram, além das malas, um monte de instrumentos esquisitos, que ninguém sabia para que serviam.
Todo dia, de manhã bem cedo, os três rapazes tomavam o desjejum e rumavam para o Boqueirão das Onças, onde se juntavam ao resto da equipe. Como a curiosidade era muita e não havia muito o que fazer na cidade, várias pessoas ficavam nas redondezas olhando e tentando adivinhar o que acontecia.
Imaginação não era o que faltava: uns diziam que o povo do governo estava atrás de disco voador, outros que tinham ouvido, de parentes na capital, que pretendiam mudar a sede de governo de Brasília para lá, e mais um ou outro absurdo.
Por mais que se perguntasse não obtinham resposta para nada. O grandão loiro, que se chamava mister John, era o mais sisudo de todos e sempre dava um jeito de fechar a boca de um ou outro mais expansivo.
Mas o clima na casa de Nininha melhorou muito. Afinal, não é sempre que se recebe visitantes tão importantes.
Foi num dos primeiros jantares que Arnaldo descobriu que Nininha havido estudado no mesmo colégio que ele. Como Arnaldo era apenas dois anos mais velho que ela, descobriram que tinham alguns conhecidos em comum. Se bem que Nininha tivesse perdido o contato com todos eles há muito tempo. Mas, de qualquer maneira, o gelo havia sido quebrado.
Descobriram também algumas afinidades literárias e musicais. E os serões noturnos foram se prolongando cada vez mais. Sempre vigiados pela mãe de Nininha, que o coronel Raimundo não era bobo de confiar nesse povo da capital.
Até que um dia, Arnaldo criou coragem e pediu autorização ao coronel para namorar com Nininha. Muito a contragosto, depois de ouvir a patroa buzinar na sua orelha dias a fio, ele deu permissão para o namoro.
Os dois não se largaram mais. Se Arnaldo não estivesse trabalhando era ao lado de Nininha que ele estava. Mas, como a mãe não arredava o pé, sempre na maior seriedade.
Passados três meses de medições, buracos abertos, rochas sendo examinadas e andanças do pessoal em toda extensão do grotão, mister John, acompanhado de Arnaldo, pediram uma audiência com o prefeito. Entraram com um pedido de compra de toda área e fizeram o pagamento inicial para concretizar o negócio.
Nininha irradiava felicidade por todos os poros. As coisas não poderiam estar melhores. Arnaldo lhe confidenciara que descobriram uma grande jazida de cobre no terreno, e que isso, além de garantir um futuro próspero para o casal, iria beneficiar toda cidade, pois contratariam muitas pessoas.
Embora tenha pedido segredo a Nininha, esta não se conteve e contou tudo ao pai, que era para amansar a fera e mostrar que Arnaldo tinha vindo para ficar. Não deu outra: no dia seguinte estava na boca do povo.
Mister John ficou furioso, mas como já tinham posse da terra,não haveria maiores problemas.
A companhia mineradora construiu um escritório bem ao lado da prefeitura e começou a cadastrar pessoas interessadas em trabalhar na mina. As coisas ainda demoraria pleo menos seis meses para começar, mas ninguém se importava em esperar, desde que lhes fosse garantido emprego.
E a vida nunca pareceu melhor para Nininha!

CORONEL RAIMUNDO

Raimundo Bezerra da Silva era o quinto filho de uma prole de dezesseis, dos quais dois natimortos e cinco mulheres.
Como duas das mulheres tinham nascido antes dele, foi mimado e criado pelas irmãs. Mas, quando fez doze anos, seu pai cortou suas relações com as irmãs, "que isso era coisa de baitola". Colocou-lhe gibão, perneiras, chapéu de couro e botou-o na lida com o gado.
A vida de vaqueiro no sertão não é prá qualquer um, mas Raimundo tinha nascido com garra. E isso não é coisa de se desprezar: com menos de dois anos de ofício era o melhor vaqueiro da região. Mas isso era pouco para ele.
Quando completou dezoito anos procurou o pai e lhe disse que iria cuidar da própria vida em outro canto. Que ele lhe perdoasse a ousadia, mas não queria viver na sombra de ninguém, nem mesmo do pai. E não houve jeito de lhe convencer do contrário.
No dia seguinte saiu de casa com apenas uma muda de roupa, algumas economias e seu fiel cavalo.
Andou aqui e ali. Trabalhou em tudo quanto é tipo de serviço. Até que, depois de seis anos, se fixou como vaqueiro na Fazenda Esperança. Ao fim de algum tempo já era capataz.
Economizou cada tostão que caiu nas mãos até ter o suficiente para comprar um pedaço de terra e algumas cabeças de gado.
Com a tenacidade que lhe era a marca  registrada, foi crescendo a cada ano, até se tornar o maior fazendeiro da região. Como era homem de grande reputação e poder começou a mandar na política local. Não havia prefeito ou governador que não viesse consultá-lo vez ou outra.
A mulher infelizmente não lhe dera um filho homem antes de morrer. Sua única filha Nininha era tudo o que ele tinha. E como ele gostava dessa menina! Pena que ela não arrumava marido. O coronel chegou até a fazer uma peregrinação e pediu a padre Cícero para abençoar a filha com um bom casamento. Mas nada parecia dar certo.
Até que apareceu esse tal de doutor Arnaldo. Não tinha muita certeza, mas parece que ele era doutor em alguma coisa ligada com as pedras, uma tal de geo alguma coisa. O que interessa é que o doutor Arnaldo se engraçou com a sua filha e foi prontamente correspondido. Não era bem o que ele queria, pois esse povo da cidade grande não tem muito a ver com o sertão. Mas, ainda assim, era melhor que nada.
E depois que a mineradora descobriu cobre no Boqueirão das Onças e comprou as terras ao redor, ele ficou mais sossegado. Aquilo era coisa para mais de cinquenta anos, então sua Nininha não ia ter que acompanhar o marido para a cidade grande. Pelo menos era o que Arnaldo lhe garantira.
Tudo estava correndo que era uma maravilha: sua filha comprometida e haveria empregos para um mundaréu de gente.

MISTER JOHN

Nascido numa cidadezinha sem graça, nos cafundó do Arizona, John Edgard Sommes, assim que pode, foi para Nova Iorque em busca de fama e fortuna. Não conseguiu nenhum dos dois.
Trabalhou como lavador de pratos no Georgia Dinner, na Queens Boulevard, durante dois anos e a única coisa boa de que se lembrava é que, pelo menos, nunca passou fome. Além do trabalho ser exaustivo, ainda tinha que aguentar os latinos, que eram a maioria lá.
Juntou uma grana e resolveu dar uma ajuda ao destino. Forjou documentos, diplomas e o conhecimento que dois anos de estudo, no tempo livre do restaurante, e conseguiu um emprego numa corretora de valores.
As coisas estavam indo muito bem, devido à sua perspicácia e arrojo. Chegou a fechar contratos consideráveis, e até recebeu cumprimentos da chefia. E a grana permitia viver com um luxo impensável até então,
Até que um dia a casa caiu. Quem poderia imaginar que, numa metrópole tão grande, fossem contratar um nerd de sua cidade natal? Justamente o cara que que ele enchera de porrada, e que fora o motivo de sua expulsão do colégio.
Well, não adianta ficar chorando. John juntou o que podia e foi fazer dinheiro numa loja de penhores.
Dois dias depois estava aterrisando no Rio de Janeiro. E gostou do que viu. Principalmente do tratamento dispensado pelos nativos: branco quase transparente, sem saber nada de português, era tratado como um rei. Afinal, ninguém precisava saber que ele estava quebrado.
Um dia, quando andava por Copacabana, viu que o sujeito que andava na sua frente derrubou a carteira do bolso. Depois de verificar que o conteúdo era risível, John chamou o rapaz e lhe devolveu a carteira.
O sujeito, que se chamava Arnaldo ficou tão agradecido que fez questão de lhe pagar um chope. Depois de alguns copos já eram velhos conhecidos. Arnaldo se dizia consultor de investimentos. John lhe disse que estava a procura de oportunidade de negócios no Brasil.
Depois de alguns meses de conversa e acertos registraram uma empresa de mineração, fizeram uma subscrição de capital e levantaram um bom dinheiro inicial.
Parte do dinheiro foi utilizado para John retornar aos EUA, onde firmou contrato operacional com a Minnesota Mining Company.
Retornando ao Brasil, onde Arnaldo já havia contratado uma equipe de pesquisa, rumaram para Poço Seco, onde havia indícios de minério de cobre.

ARNALDO

O futuro de Arnaldo foi determinado no nascimento. Nascer com um sobrenome ilustre foi tudo que ele precisou para, entre mortos e feridos, defender seu lugar ao sol. Pô, não é todo mundo que se chama Arnaldo Paranhos do Rio Branco!
É verdade que não se pode dizer que sua vida tenha sido um mar de rosas. Por outro lado, nunca teve que pegar no pesado. Ao menos não literalmente. Embora não tivesse como provar, provavelmente porque não era verdade, se dizia neto do barão de Rio Branco, o que lhe abria muitas portas.
Estudou nos melhores colégios cariocas e chegou até a fazer pós-graduação em Paris. E com desenvoltura social, montou uma rede de influência bastante eficiente, que lhe proporcionava levar uma vida folgada, sem ter que suar muito a camisa. Uma comissãozinha aqui, uma participação ali, e a vida seguia sem maiores tropeços.
Mas agora a sorte lhe sorrira, e o buraco era mais em cima. Travara conhecimento com um americano em busca de oportunidades no Brasil, ao qual se associou em uma grande empreitada: iriam explorar jazidas de minério no nordeste.
Arnaldo levantou o capital inicial junto aos conhecidos mais abonados e, através de um lobby esperto em Brasília, conseguiu não só a concessão da licença para exploração mineral, como também o mais importante: cartas de recomendação federal.
O gringo fez uma rápida viagem aos EUA e voltou com uma associação de peso com a Minnesota Mining Company. Estavam, portanto, com a faca e o queijo na mão.
Depois de uma breve estada no município de Poço Seco, descobriram uma grande jazida de cobre. Não bastasse tamanha sorte, se apaixonou pela filha do homem mais poderoso do estado, e foi por ela correspondido. Em menos de três meses estavam noivos.
Arnaldo era um cara realmente abençoado!

EPÍLOGO

A companhia mineradora foi a melhor coisa de que se teve notícia em toda história de Poço Seco.
Município com mais de 150 anos de existência, tinha pouco mais de 10.000 habitantes, espalhados num território árido onde só crescia mandacaru. Tirando uns poucos teimosos criadores de gado e caprinos, o resto vivia dos programas assistenciais do planalto central.
Mas agora as coisas seriam diferentes: o progresso estava batendo nas portas da cidade.
A simples notícia da descoberta de cobre no município já estava atraindo alguns comerciantes para a cidade. E, já que estava todo mundo com promessa de emprego, o fiado estava correndo solto. Nunca se movimentou tanto dinheiro em tão pouco tempo. Já havia até gente reformando as velhas moradias. E um sujeito da capital estava construindo um hotel.
Foi então que a bomba estourou: mister John e Arnaldo foram à prefeitura e comunicaram que estravam abrindo mão do terreno no Boqueirão das Onças. Haviam recebido um comunicado da Minnesota Mining informando que, como esta achara uma jazida de cobre muito maior no Peru e receberia incentivos fiscais do governo local, estavam desistindo de explorar a mina brasileira.
Arnaldo, desolado, procurou o Coronel Raimundo para dar a notícia, informando-lhe que isso não mudava em nada sua disposição em relação a Nininha, mas que depois do casamento teriam que se mudar para o Rio de Janeiro, pois não havia mais o que fazer em Poço Seco.
Coronel Raimundo recebeu a notícia sem se abalar. Mas no dia seguinte rumou para a capital, onde ficou quase uma semana.
Na volta convocou o prefeito e os principais moradores para uma reunião a portas fechadas.
Ao final do encontro pediu para chamarem mister John e Arnaldo. Quando os dois chegaram metralhou:
- A mina é boa?
- Claro que sim! - responderam os dois ao mesmo tempo.
- E vocês tem competência para explorar e comercializar o minério?
- Com certeza. - respondeu Arnaldo.
- E já tenho até os contatos para colocar toda produção. - completou mister John.
- Então, a Companhia Mineradora Boqueirão das Onças está de pé! - declarou coronel Raimundo.
Na constituição da nova sociedade, o governo do estado ficou com 40%, coronel Raimundo com 20%, a prefeitura com 10%, Arnaldo e mister John com 10% cada, e o restante seria distribuído entre o restante da população.
Assim que o dinheiro foi depositado na conta, mister John e Arnaldo viajaram para São Paulo, onde encomendariam maquinários e equipamentos, além de contratar os técnicos para tocar a empreitada.
Foi somente depois que se passaram três meses sem receber notícias dos dois, que os moradores de Poço Seco se deram conta de que foram vítimas de um golpe...

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