sábado, 4 de setembro de 2010

NICANOR E AS PORTAS




Vocês já devem ter reparado na fixação do brasileiro pela porta. O cara entra no elevador. Vai descer no último andar. Onde ele fica parado? O sujeito entra no ônibus. Vai descer no ponto final. Onde ele escolhe ficar? Duas pessoas saem do prédio conversando. Cada uma vai para um lado, mas resolvem dar uma esticada na conversa. Onde elas param? Na porta, é claro!
Isso irritava profundamente Nicanor. Será que as pessoas não percebiam que atrapalhavam quem queria sair do elevador, descer do ônibus ou sair do prédio? Ora, faça-me o favor!
E, por mais que ele tentasse variar o horário para evitar a chateação, não tinha jeito. Se não era um, era outro. Tinha o rapaz do 82 que ficava com a bicicleta na passagem conversando com o porteiro na guarita. As duas fofoqueiras do terceito andar que sempre paravam na porta do prédio. Isso quando não ficavam segurando da porta do elevador, quando uma tinha descido e a outra ia subir. Fora os ocasionais, que sempre os havia.
Tinha se mudado porque não aguentava a chateação no prédio anterior. Só prá descobrir que no atual era ainda pior.
Ah, mas isso iria mudar. Nicanor, depois de muito pensar, chegou à conclusão de que nada melhor do que fazê-los sofrer com o próprio remédio. Dali em diante ele iria dar um jeito de dar aos outros condôminos o mesmo tratamento recebido. Quem sabe aí eles se apercebessem e, envergonhados, começassem a respeitar os outros?
No dia seguinte, acordou meia hora mais cedo só prá ficar conversando com o porteiro na porta do prédio. Ele até ficou um pouco afastado da guarita para atrapalhar mais porque era muito magro. Quarenta minutos depois, a única pessoa que passou se limitou a desviar e ainda lhe desejou um bom dia.
A caminho do serviço ficou parado bem na frente do degrau da porta de saída do ônibus, mas a única coisa que aconteceu foi ficar com um mal-jeito nas costas, quando uma senhora abarrotada de sacolas lhe empurrou para poder sair.
Na volta para casa resolveu mudar de tática: quando o elevador chegou no térreo, ele abriu a porta e puxou conversa com o vizinho que descera. Ficou uns cinco minutos jogando conversa fora e nada de alguém reclamar. Resolveu subir. No segundo andar o elevador parou e subiu a síndica. Quando parou no andar dela, a síndica abriu a porta e já ia descendo, quando se voltou para Nicanor e convocou-o para a próxima assembléia de condomínio. Ficou quase dez minutos discorrendo sôbre a importância da participação de todos, antes de liberar a porta.
Depois de duas semanas tentando sem resultados, Nicanor desistiu. Eram novos tempos. Não adiantava ficar se lembrando de um tempo em que as pessoas eram mais educadas. Adaptação é a chave da sobrevivência. Como não conseguia agir como os outros, iria tentar não se aborrecer mais.

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